terça-feira, 1 de abril de 2014

'O sistema da moda vai mudar, grifes vão desaparecer', diz criador da SPFW


PEDRO DINIZ COLUNISTA DA FOLHA  30/03/2014  03h03



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Paulo Borges, 50, assumiu o papel de mediador entre indústria, marcas, estilistas e imprensa no que chamou de "plano de 30 anos" para a moda nacional desde 1996.
Naquele ano, o empresário fundou o Morumbi Fashion, embrião da SPFW, que a partir de 2001 colocou o país no circuito internacional.
Temido e amado pelo mundinho, o "papa" da moda nacional diz não ver crise nem no formato de desfiles nem na moda, mas uma "readequação" das grifes às pressões econômicas do modelo fast fashion, que força varejistas a mudarem as roupas das araras semanalmente.
As mudanças em curso vão mexer com o calendário da moda, diz. A começar pela temporada de inverno do Fashion Rio, que acabará. "Todo o sistema vai mudar."
Raquel Cunha/Folhapress
O empresário Paulo Borges, idealizador da São Paulo Fashion Week e do Fashion Rio
O empresário Paulo Borges, idealizador da São Paulo Fashion Week e do Fashion Rio
Folha - O inverno no Fashion Rio vai mesmo acabar?
Paulo Borges - Ainda neste ano. A iconografia carioca não combina com inverno e havia uma desistência das marcas em participar. Melhor, prefiro falar em ausência, não em desistência.
Era uma edição inútil?
Do ponto de vista comercial, sim. Por isso vamos criar a edição de alto verão, que é uma espécie de "resort" [coleção intermediária]. Mas, olha, ninguém vive de uma estação. As nomenclaturas verão e inverno vão acabar.
Não haverá divisão?
O consumidor não se importa se é verão ou inverno, no Brasil e no mundo. As coleções, no varejo, serão vendidas em etapas ao longo do ano. Todo o sistema vai mudar. Dentro dessa lógica, as marcas pequenas que não conseguirem atender à demanda vão sofrer. É natural que algumas acabem.
As denúncias de trabalho análogo à escravidão ganharam destaque no noticiário de 2013. A Cori, por exemplo, foi acusada pelo Ministério do Trabalho de comprar roupas de uma confecção que mantinha bolivianos trabalhando em condições precárias. Qual a responsabilidade das marcas quanto aos terceirizados?
É óbvio que elas têm de saber quem trabalha para elas, mas não dá para definir quem é mocinho e quem é bandido nessa história. Não estou defendendo, mas essa cobrança é algo novo para as marcas. Tem gente que não sabe como a confecção que contratou está agindo.
Você vislumbra o fim dos desfiles, como alguns teóricos, a exemplo do antropólogo americano Ted Polhemus?
Ele está muito por fora do que está acontecendo. Não há crise nem no formato nem na moda. O que há é uma readequação, onde a cadeia está encontrando novas formas de lidar com as pressões da fast fashion, da urgência em se lançar novidades a cada momento. Ele defende que temos de ser o país do futebol, da caipirinha. Isso não existe. Somos mais modernos do que isso. Toda mudança acarreta pequenas crises, criativas ou econômicas. No caso do Brasil, é econômica.
Algumas marcas estão tendo problemas até para pagar modelos em desfiles.
Essa é uma questão recorrente, mas estilista gosta de mamar demais. Recorrem a patrocínio para pagar a conta porque o dinheiro, sim, está mais curto para as empresas. Não há plano de desenvolvimento para a indústria, isso afeta toda a cadeia.
Se o governo ajudar a moda não será assistencialismo?
De forma alguma, é inteligência e planejamento de mercado. Na conversa que tivemos com a presidente Dilma, em 2011, falei de carga tributária, de exemplos de cooperação entre países para a indústria da moda... Nada foi feito. Tudo o que o papa da moda [faz o sinal de aspas com as mãos] podia, ele fez, mas os processos burocráticos e a política para a indústria no Brasil são ineficazes.
Uma federação ajudaria?
Essa federação, informalmente, já existe. Sou eu, os editores (de revistas de moda), a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção e a Associação Brasileira de Estilistas. A parceria com a "Vogue" [que faz parte da curadoria da SPFW] é um exemplo. No entanto, a imprensa não abraça a causa da moda. Parece estar do outro lado da rua, só cobrando. As revistas fazem a cobertura, porque interessa comercialmente, mas não participam de discussões sobre a cadeia.
Como responde às críticas da ONG Educafro segundo as quais a SPFW é racista por contratar poucos negros?

Não posso obrigar ninguém a colocar mais negros no desfile, não há lei sobre isso e estaria sendo preconceituoso ao fazê-lo. Nem as revistas de moda colocam negros na capa. Meu filho é negro, namoro um negro, não tenho nenhum problema com isso. Posso orientar as grifes, como fiz, e ninguém publicou quando fomos elogiados pelo Ministério por cumprir o termo. A imprensa [aponta para o repórter] tem uma ideia deturpada sobre essas obrigações. 
Folha, 30.03.2014
www.abraao.com